
Quando o Amor Acontece: Relacionamentos Amorosos na Adolescência
Quase que por excelência, baseado no incessante culto à beleza e à potência, a imagem que caracterizaria a sociedade pós-moderna seria a do jovem saudável que está apenas iniciando as conquistas pessoais.
Entretanto, habitar um corpo em transformação e experimentar uma nova configuração mental, é uma experiência solitária e passiva que interfere significativamente na relação do sujeito com o mundo. Nesse âmbito, o adolescente enfrenta os desafios de conviver com um soma ainda desconhecido ao mesmo tempo em que deve apresentá-lo ao outro. Na medida em que há a aproximação da intimidade, surgem os desafios de uma relação a dois.
Como explica Hime (2001), a passagem para o mundo adulto só se mostra completa quando o sujeito se sente seguro, autônomo, sem depender de um grupo para se auto afirmar. Esse fenômeno, segundo a autora, completa-se com o surgimento do amor estável. O verdadeiro enamoramento marcaria assim, a saída da adolescência e a entrada na vida adulta.
Na visão de Erikson (1971) o amor adolescente se caracteriza pela ausência de uma relação madura e adulta entre iguais, sendo que o sujeito se define a partir do outro, ou seja, há intensa projeção no objeto: “… em grande parte, o amor adolescente é uma tentativa de chegar a uma definição de identidade projetando a própria imagem difusa do ego em outra pessoa, para, assim, vê-la refletida e gradualmente definida…” (p. 241).
Entretanto, o envolvimento em relações amorosas é um ponto central na vida dos adolescentes. Sejam reais ou fantasiosas, essas relações são as causas mais comuns dos ápices emotivos nesta fase. Para os autores, as experiências românticas influenciam o desenvolvimento do ‘self’ e da identidade de duas maneiras. Primeiramente, por meio destas, o jovem seria capaz de desenvolver percepções distintas de si mesmo; do mesmo modo que desenvolve nas relações de pares e de grupos. De forma que ao manter experiências positivas, o adolescente teria uma visão de si mesmo como uma pessoa atraente, capaz de ser amada e amar; ao modo que aqueles que se encontram em relações desajustadas teriam menos confiança na própria habilidade de satisfazer o parceiro e de manter relações bem-sucedidas. Conseqüentemente, esse conceito influenciaria diretamente a construção da auto-estima, de forma que se irradiaria para outras áreas da vida do sujeito (Furman & Shaffer, 2009).
Santos (2011) explica que é a partir dos relacionamentos na adolescência, principalmente nos amorosos, que o jovem vivencia e internaliza as regras de gênero e dos chamados scripts sexuais, ou seja, os comportamentos que são socialmente aceitos e valorizados como diferenciais entre os gêneros masculino e feminino. Para o autor, uma demonstração clara da internalização desses scripts é a diferença do comportamento amoroso e sexual estabelecido entre os gêneros. Enquanto discursos e atos femininos centram-se na contextualização afetivo – romântica, os discursos masculinos enfocam a capacidade técnica corporal para o desempenho do ato sexual. No caso dos homens, muitas vezes, a sexualidade aparece despida de expectativas românticas; sendo parte exclusiva da corporeidade. Destaca-se que, muitas vezes, este padrão de comportamento é vivido não só para se tornar mais atrativo aos membros do sexo aposto, mas sim, para ser aceito em um grupo, ou admirado por seus pares.
Para a psicanálise, a identidade do sujeito é psicossexual e tem seu início no nascimento. Porém, seu desenvolvimento é lento e gradual.
Pereira (2005) aponta que é comum, entre os pré-adolescentes, ver grupos de meninos e meninas bastante isolados uns dos outros, de maneira que são comuns os ‘clubes do bolinha’ e os ‘clubes da luluzinha’. Nesta fase, há uma cautela em relação ao sexo oposto que funciona como uma possível barreira que previne relações heterossexuais antes do tempo, e que possam produzir ansiedades no sujeito.
Seria assim na adolescência que a estrutura definitiva da identidade sexual do sujeito se firma. Nessa etapa, ao mesmo tempo em que o complexo de Édipo é revivido com intensidade, são somadas as características da puberdade, o que torna as fantasias sexuais possíveis. O sujeito se vê impelido a descobrir que não é só, e que precisa do outro para viver uma sexualidade adulta plena (Outeiral, 1994).
Neste momento, o modelo parental estabelecido no Édipo não é mais o único, ele dá origem a uma série, e o adolescente passa a se arriscar “mundo a fora” em busca de amor e satisfação para além da família. A renúncia da figura parental e da satisfação própria, vivida no Complexo de Édipo poderá ser compensada por outro objeto, agora não interditado pela proibição do incesto.
Portanto, deve-se levar em conta que o adolescente vai ao mesmo tempo poder amar alguém que não faz parte de sua família, mas que deva apresentar características que o aproximem dela. Furman e Shaffer (2009) ressaltam que a complicação da escolha de um objeto amoroso, ocorre com base no fato que este objeto, esta pessoa que será escolhida para se envolver, ao mesmo tempo está livre da proibição do incesto, mas deve possuir semelhanças com a figura parental proibida.
Entretanto, nos adolescentes há resquícios dessa etapa anterior, ou seja, um predomínio de aspectos lúdicos e superficiais nas relações amorosas. Porém, a cautela diminui, e o interesse pelo outro aumenta. Com o tempo, passam a preferir lugares onde possam ter contato com possíveis parceiros amorosos, freqüentando grupos de caráter sexual misto, onde há o início do ficar, de modo que vivenciam experiências amorosas, concomitantemente em que se isentam de relacionamentos de maior intimidade psíquica e física. (Shulman & Scharf, 2000; Pereira, 2005).
Nos discursos dos jovens, o ficar configura-se, de certa forma, como uma interação afetiva e sexual onde se pode lidar com as demandas referentes às relações de namoro, consideradas mais rígidas. Neste sentido, o ficar aparece como uma forma alternativa ao namorar, cujos aspectos mais enfatizados por rapazes e moças, dizem respeito ao relaxamento dos acordos mais complexos, pertinentes às relações estáveis. Neste caso, a obrigação da fidelidade é uma das dificuldades que o ficar minimiza, proporcionando uma maior flexibilidade das trocas afetivas.
Ficar é uma experiência de estar com o outro, trocar carícias, intimidades, descobertas e sensações sobre o corpo e sobre si mesmo. Rolam beijos, abraços, e, eventualmente, pode-se chegar a uma transa. Os limites do ficar são determinados pelo próprio casal. Em geral inclui afetividade, porém não há um compromisso de continuidade ou exclusividade, mas o ficar poderá se transformar em namoro. (Fundação Roberto Marinho, 2001, p. 150)
Contudo, Castro, Abramovay e Silva (2004), a partir de pesquisa realizada com grupos focais de adolescentes estudantes de escolas estaduais na cidade de São Paulo, demonstram ainda que o ficar deve ser considerado como uma novidade dos tempos modernos, pois comporta a existência de conflitos advindos da permanência de valores relacionados a gênero em sua dinâmica interativa. Na medida em que para os rapazes, a possibilidade da variação de parceiras para ficar recebe um valor positivo, reeditando os princípios e respaldando o sistema de valores sociais e morais que dignificam a masculinidade, para as garotas, o ficar pode estabelecer limites, já que, uma variedade grande de parceiros resulta numa atribuição de valor negativo.
Seguindo a seqüência apresentada pela teoria psicanalítica, para que ocorra o desenvolvimento completo da identidade do sujeito, é necessário que este se avalie como capaz de ter relações sexuais, encontrando um equilíbrio entre as ligações afetivas indispensáveis e as excitações características dessa etapa da vida. Nessa concepção a atividade sexual dos adolescentes pode ter início a partir de uma busca por intimidade, ou umas vivências de novas experiências, bem como uma solução para descarregar a energia sexual, entre outros.
Furman e Shaffer (2009) levantam em seu estudo, uma transformação relevante decorrente dos primeiros relacionamentos amorosos dos adolescentes: as mudanças nos relacionamentos familiares. No artigo dos autores, é defendido que estes relacionamentos são fontes de inúmeras formações emocionais tanto conscientes, como inconscientes que interferem no relacionamento familiar e na aceitação do relacionamento mantido.
De modo mais simples, e consciente, adolescentes que se encontram enamorados passam muito mais tempo com seus parceiros do que com os membros da família, ao contrário de adolescentes que se encontram solteiros. Essa diferença de comportamento, pode ser fonte comum de conflitos e estresse, já que não é raro ocorrerem discordâncias quanto à não aceitação de um parceiro, às atividades sociais que o jovem passa a se dedicar e ao inicio da atividade sexual, quando esta ocorre.
O aspecto inconsciente seria facilmente detectado nos pais quando estes costumam ter sentimentos ambíguos quanto aos relacionamentos mantidos pelos filhos. Por exemplo, é comum os pais se sentirem felizes pelo crescimento dos filhos e pela possível formação de uma família por estes, marcando seu crescimento e amadurecimento, ao mesmo tempo em que se sentem insatisfeitos pela perda do vinculo exclusivo, que passa a ser compartilhado com outro, no caso, o parceiro amoroso; e pelo possível risco que esse compartilhamento pode causar ao então intacto núcleo familiar.
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Fonte:
Este texto é um trecho do artigo:
O AMOR E OS RELACIONAMENTOS NA ADOLESCÊNCIA: CONSIDERAÇÕES PSICANALÍTICAS
Autores:
Renato Caio Silva Santos
Professor de Psicologia – Universidade Metodista de São Paulo, Brasil
Mestre em Ciências e Saúde Pública – FSP USP, Brasil
Especialista em Neuropsicologia – Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, Brasil
Especialista em Sexualidade Humana – Faculdade de Medicina da USP, Brasil
Aprimoramento em Psicologia Hospitalar – Instituto de Infectologia Emílio Ribas, Brasil
Lucas Matheus Grizotto Custódio
Psicólogo – FMU-SP, Brasil
Murilo Barberini Dias
Graduando em Psicologia – Universidade Metodista de São Paulo, Brasil